Resenha: Mentirosos - E. Lockhart

Eles são ricos, bonitos, bem-educados e tradicionais. Na família Sinclair, não há espaço para erros e defeitos, não há espaço para problemas e reclamações. Cadence, neta primogênita e principal herdeira da família, aprendeu cedo a esconder suas fraquezas e dissimular a sua dor. Quando o pai deixou a ela e sua mãe, as duas foram fazer compras e tentaram apagar as evidências dele nas suas vidas. Houve esse tempo em que Cadence queria esquecer a dor, a mágoa. Mas, agora que um verão inteiro foi apagado de sua mente, a garota vai se aproximando cada vez mais da insanidade.

Todos os anos, o patriarca da família e suas três filhas - o avó de Cadence, sua mãe e suas tias -, vão para sua ilha particular no verão, com os netos a tira colo. Cadence tem sete primos, mas é próxima especialmente de dois, Mirren e Johnnym, e do amigo deles, Gat, que também passa os verões ao seu lado. Durante todo o ano, os quatro, apelidados carinhosamente de Mentirosos, não mantêm contato, mas a ilha dos Sinclair parece ser banhada em uma aura mágica que os une. Durante o verão, Candy, Mirren, Johnnym e Gat se divertem bastante e arrumam muitas confusões juntos. 

Entretanto, dois anos atrás, um verão mudou tudo. O que Cadence sabe é que ela tinha quinze anos e houve um acidente. A garota ficara bastante machucada e os laços da família, frágeis há muitos anos, quase se partiram de vez. Agora, Candy vive a base de remédios fortes e autopiedade. As enxaquecas insuportáveis e as lembranças perdidas estão levando-a a loucura. Candy tentou entrar em contato com seus Mentirosos, mas os primos e o amigo ignoram-na completamente. 

Quando mais um verão se aproxima, a memória de Cadence começa a voltar aos poucos. Ela e a Gat haviam se envolvido, mas mesmo ele tendo outra namorada, os dois estavam apaixonados. Mirren e Johnnym estavam travessos como sempre e eles, os quatro Mentirosos, estavam se divertindo a beça. Ou será que não? Havia algo mais, algo negro que rondava a família e culminou na tragédia que arrancou suas memórias. 

Assim, Cadence convence a mãe e as duas vão passar duas semanas na ilha, ao lado das tias e dos primos da garota. Seu avô está tão mentalmente frágil quanto ela e os primos pequenos parecem convencidos de que Candy é uma viciada em drogas. Entretanto, quando finalmente encontram os seus Mentirosos, Cadence sente que voltou para casa. E sente que finalmente pode descobrir a verdade. Mas será que saber o que realmente aconteceu curará sua dor ou apenas a fará ser engolida de vez pelo seu sofrimento?

A primeira coisa que chamou a minha atenção em Mentirosos foi justamente a sua capa maravilhosa. E com os testemunhos bons de muitos blogueiros, acabei ficando ainda mais ansiosa pelo livro. Assim, enquanto me organizava para uma viagem para a praia, achei que Mentirosos seria uma leitura perfeita para se fazer à beira mar. E eu não podia estar mais certa. A obra, que retrata os muitos verões da família Sinclair e se passa, principalmente, em uma ilha particular, acabou sendo uma leitura de um dia mesmo, mas que me levou as lágrimas e partiu o meu coração – e no melhor sentido possível.

Assim que comecei Mentirosos, não consegui parar. Simples assim. Com uma narrativa em primeira pessoa bastante poética e leve, mas que consegue transmitir com profundidade os sentimentos dos personagens, esse é o tipo de leitura que te suga para a história e que não te solta mesmo depois que você devora todas as páginas. A trama é extremamente bem construída, intrigante e envolvente de tal maneira que o leitor se sente dentro do livro e se apega aos personagens como se eles fossem seus amigos, sua própria família. 

O suspense de Mentirosos é devastador, assim como o desfecho da obra. A busca de Candy pela verdade vai deixando o leitor sem fôlego e mesmo colocando várias pistas ao longo dos capítulos, a autora nos surpreende de tal maneira que a sensação que tive foi de ter levado um tapa na cara. De repente, toda a verdade estava exposta e, como Candy, tive dificuldades de lidar com tudo aquilo. Chorei junto da personagem e, com ela, aprendi uma coisa ou outra.

O universo dos Sinclair é ao mesmo tempo fascinante e assustador– e esse é justamente um dos pontos principais do livro. Ao mesmo tempo que todo aquele dinheiro e casas em uma ilha particular possam parecer extremamente atraentes, ao longo da história, quando nos deparamos com a tragédia que quase destruiu tudo, vamos percebendo, ao lado dos personagens, que toda aquela riqueza pode criar um tipo de miséria e angústia dentro das pessoas que é difícil de lidar. 

Nesse sentido, Mentirosos me lembrou bastante as histórias de Gossip Girl - já li um ou dois livros da saga muitos anos atrás e acompanhei o seriado de TV por bastante tempo. Entretanto, Mentirosos é um livro único, mesmo que sua crítica se assemelhe a de outras obras. Como Candy e seus mentirosos, o leitor vai percebendo, através da família Sinclair, como os relacionamentos humanos são complicados e como determinados desejos e ambições podem destruir tudo. 

O livro mostra claramente como algumas pessoas, às vezes famílias inteiras, criam uma maneira de viver e assumem papéis diante dos outros, e de si mesmos, que podem acabar envenenando suas almas. Mentirosos expõe como que, muitas vezes, quem tenta lutar contra todas essas dissimulações e atitude hipócritas acaba saindo mais ferido do que havia entrado. A obra também nos faz refletir sobre preconceito, ganância, materialismo, status, insegurança, medo e culpa – e como tudo isso pode levar a uma tragédia irreversível.

Apesar da trama maravilhosamente intrigante e bem bolada, o grande destaque de Mentirosos são seus personagens. Desde a protagonista a todos os secundários esbanjam personalidades fortes e bastante reais. E. Lockhart criou pessoas inteiras, com as quais nos identificamos e pelas quais nos compadecemos. Eu me apeguei profundamente a todos, especialmente a Candy e Gat.

Ela é a garota rica que pensa não se encaixar perfeitamente no papel, mas que acaba sendo a herdeira perfeita que todos desejavam. Ele é o garoto comum que, todo verão, convive com essas pessoas e compartilha de suas vidas glamourosos e ricas, mas sem realmente fazer parte delas. Candy e Gat são o casal previsível, mas inevitável. Com vidas tão diferentes, mas sentimentos parecidos, parecem terem sido feitos para ficarem juntos. Contudo, o desenvolvimento do relacionamento deles é perfeito e não chega a ser clichê em nenhum momento, exatamente porque nenhum personagem desse livro é completamente previsível. 

A tragédia, a falta de memórias, a dor no esquecimento e também na verdade. É impossível não se apegar a Candy, a minha personagem favorita, e sentir também seu sofrimento. Mas é interessante observar também todas as nuances da personagem, afinal em Mentirosos, ela também vive uma jornada de autodescoberta. Será que ela era realmente tão diferente quanto pensava? Ou, como os primos, ela aceitava toda a riqueza e seu modo de vida dissimulado? Em Mentirosos, a garota também busca a redenção e fiquei feliz em vê-la amadurecer e encontrar seu lugar no mundo e na família, um lugar com dor, mas onde consegue se lidar com ela.

Mentirosos é uma obra rica, inteligente, envolvente do início ao fim e devastadora. O livro me fez chorar e refletir, mas também me apegar aos personagens e torcer por eles. Uma jornada pela verdade, de autodescoberta e redenção, a obra tem um suspense enlouquecedor e ao mesmo tempo delicioso. O final destrói e reconstrói o leitor, deixando-o com o rosto molhado pelas lágrimas, mas com um sorriso no rosto.

Brutalmente belo, Mentirosos realmente conseguiu me encantar e me marcar, essa é uma história única que carregarei no meu coração pelo resto da vida. Pretendo reler o livro, assim como conhecer outras obras da autora, em breve. Para quem gosta de tramas cativantes e profundas, que emocionam e nos faz refletir, essa é a obra certa para você.

A tradução da história está perfeita e a diagramação muito boa. Adorei que, no início do livro, encontramos um mapa da ilha particular dos Sinclair, cenário de grande parte da trama, e também uma árvore genealógica da família. As páginas amareladas ajudaram a deixar a leitura ainda mais confortável e rápida, e achei o tamanho da fonte perfeito. 

Como disse, a capa, que é maravilhosa e combina perfeitamente com Mentirosos, foi um dos motivos que me fez ler o livro. Entretanto, durante a leitura, a capa e a contracapa ficaram um pouco deformadas de tal maneira que as orelhas do livro não ficam dobradas e guardadinhas – o que eu acho ser culpa do material fino do qual a capa e a contracapa foram feitas.