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Resenha: Confissões de Inverno - Brendan Kiely

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A HISTÓRIA

Aidan Donovan cresceu em um mundo de luxo e hipocrisia. Diferente das outras crianças privilegiadas, que se tornaram jovens bonitos e populares, preocupados com festas e faculdades de elite, Aidan se tornou um adolescente ansioso e solitário. Com ajuda de remédios e o estoque de bebidas do pai, ele tenta ao máximo sobreviver e cumprir o papel que esperam que ele desempenhe. Seus pais sempre estiveram longe ou ocupados demais para perceber o vazio na alma que corrói o garoto e, por mais que Elena, a governanta da casa, seja como uma mãe para ele, há apenas uma pessoa com a qual Aidan pode ser verdadeiro: o padre Greg.

Um homem extrovertido e querido por todos, o padre Greg realmente escuta o que Aidan tem a lhe dizer e parece entender todas as suas angústias. Contudo, o relacionamento entre eles vai muito além de amizade e Aidan coloca em Greg o seu único motivo de existência, de felicidade. Contudo, logo após o Natal, Aidan descobre que o padre também tinha um relacionamento com outro garoto da comunidade e, assim, seu mundo desaba.


Curiosamente, a palavra abuso não é a fica na mente de Aidan após descobrir a verdade sobre o padre, e sim traição. O garoto acreditava que o que eles tinham era incrível e especial, e a decepção o destrói de dentro para fora. Mas o melhor para todos, tanto Aidan, quanto sua família e a própria igreja, é simplesmente esquecer tudo e fingir que o padre Greg jamais esteve na sua vida. Contudo, as lembranças vão e voltam na cabeça de Aidan, que percebe que, cada vez mais, é difícil ficar calado. 

Nessa mesma época, Aidan acaba se aproximando de Josie, Sophie e Mark, jovens como ele, que entendem a pressão para serem perfeitos e para fingirem ser o que não são. Entre bebedeiras às escondidas e conversas longas, Aidan percebe a importância de uma amizade verdadeira e que ele não está sozinho no mundo. O garoto começa a se sentir bem novamente e até se apaixona por Josie. Contudo, quando o país é tomado por escândalos de abusos sexuais dentro da Igreja, Aidan começa a se perder novamente e a questionar tudo, até mesmo sua decisão de manter-se em silêncio.


A LEITURA E A CRÍTICA DO LIVRO

Confissões de Invernoé a obra de estreia do autor estadunidense Brendan Kiely. Apesar de a sinopse ter me deixado bastante curiosa pelo livro, não esperava ser tão cativada do início ao fim. Os personagens e a história me arrebataram de tal maneira que li a obra de uma só vez, em apenas algumas horas. Confissões de Inverno me fez rir, chorar e refletir bastante.

Uma história sobre abuso, tanto físico quanto psicológico, a obra traz a perspectiva de uma jovem vítima, abusado não só por um padre, mas por toda uma instituição e uma cultura que acobertaram o crime. Afinal, não é só a Igreja que olha para o lado quando se trata de abusos, é todo o sistema, toda a sociedade que diz que “isso é normal” ou "um caso isolado" ou que a vítima “provocou”. Confissões de Inverno também mostra, de forma brutal, mas sensível, como é complicado para a vítima assimilar o que aconteceu a ela, o que demanda mais coragem e força do que podemos imaginar.

A obra também aborda questões como fanatismo e fé, sexualidade, amizade, relações familiares e amorosas, além do abuso de álcool e outras substâncias pelos jovens, assim como as atormentantes pressões sociais que, todos os dias, os levam a fazer escolhas erradas ou sofrer em silêncio. Confissões de Inverno questiona as muitas hipocrisias da sociedade e a nossa triste realidade de “usar máscaras” (como Aidan bem diz), de fingir ser o que não somos. Nesse sentido, gostei bastante e me identifiquei com os questionamentos do protagonista, principalmente quando ele reflete sobre o porque de todos, diferente dele, aparentarem não possuir dores, mágoas e fragilidades. Eu sempre me perguntei bastante porque temos essa mania, na minha opinião ridícula, de tentar esconder as nossas tristezas e imperfeições, afinal elas fazem parte da vida.


A NARRATIVA E A TRAMA

A escrita de Kiely é muito boa. O autor conseguiu colocar a personalidade do Aidan na sua narrativa em primeira pessoa, o que deixou o texto gostoso de ler, com boas pitadas de sarcasmo, mas uma sensibilidade incrível. A leitura de Confissões de Invernoé viciante e instigante, não conseguimos abandonar as páginas sem continuar pensando nos personagens e no que aconteceria a seguir. 

A trama do livro foi muito bem construída e o final é abrupto, mas, ao mesmo tempo frustrante e perfeito. Apesar de ter continuado apegada aos personagens e louca por mais e mais páginas, senti que o encerramento da história não poderia ser outro e, mesmo que tenha doído me despedir do livro, terminei a obra com um sorriso no rosto e o coração aquecido.


OS PERSONAGENS

Em Confissões de Inverno, acompanhamos Aidan no longo e sofrido caminho entre aceitação (onde ele percebe que não foi sua culpa e que sofreu sim uma violência) e a denúncia. Mas, apesar de viver um momento tão delicado, o personagem consegue nos fazer sorrir e nos apegar bastante a ele. Questionador, sarcástico e muito, muito forte, me identifiquei bastante com o protagonista, que me provocou um mundo de sentimentos. 

No início, me intriguei com sua estranha relação com o padre Greg e depois odiei a atitude de Aidan em tentar esquecer tudo, mas me compadeci com a dor do personagem e torci para que ele encontrasse o seu caminho. Fiquei feliz por ele ter feito amizades, descoberto o amor e, até mesmo, sua força interior – é revigorante ver Aidan amadurecer ao longo de Confissões de Inverno

Os outros personagens da trama também perseguem suas próprias histórias e todos são bem construídos e nos provocam diversos sentimentos. Dos secundários, meu favorito foi Mark, que de início imaginamos ser apenas um mauricinho irritante, mas que acaba se mostrando um jovem tão profundo quanto Aidan e que ajuda o protagonista, direta e indiretamente, a descobrir sua força. 


A EDIÇÃO

A tradução e a diagramação de Confissões de Inverno estão boas e sem erros. Apesar de ter achado o tamanho da letra um pouco pequeno, as páginas amareladas ajudaram a deixar a leitura confortável. A capa não é feia, mas também não é bonita. E por mais que o branco gelado e o cinza sejam cores que combinem com a história, gostaria que o livro tivesse uma capa mais chamativa e jovial.

Capas do livro ao redor do mundo.

CONCLUSÕES FINAIS

Brutal, arrebatador e profundo, Confissões de Invernoé uma obra rica e muito cativante, que consegue abordar temas complicados de forma singela e até mesmo bela. Cheio de altos e baixos, esse é um livro instigante que nos deixa vidrados na leitura e apegados aos personagens. Confissões de Inverno foi uma leitura maravilhosa e marcante, que quero repetir em breve e jamais esquecer. Estou ansiosa para ler mais obras de Brendan Kiely, que definitivamente consegue criar tramas únicas e relevantes.

Os vários questionamentos de Confissões de Inverno tornam a leitura indispensável e importante. Para quem consegue aquentar uma obra com temas tão profundos e polêmicos, esse livro é mais que necessário. Confissões de Inverno me lembrou bastante As Vantagens de Ser Invisível, um dos meus livros favoritos, e que traz questionamentos e abordagem similares. Ambos estão mais que recomendados.

Título: Confissões de Inverno
Título original: The Gospel of Winter
Autor: Brendan Kiely
Editora: Arqueiro
ISBN: 9788580414639
Ano: 2015
Páginas: 224
*Esse livro foi uma cortesia da Editora Arqueiro

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