A HISTÓRIA
Jack Peter tem apenas 10 anos, ele nunca sai de casa e, na maioria do tempo, também está confinado na própria mente. Holly e Tim perceberam logo que seu filho, desde pequeno, não era como os outros garotos e o diagnostico de síndrome de Asperger persegue a família desde então. Contudo, as coisas se tornam mais complicadas três anos antes, quando Jack se afogara com o amigo Nick e desenvolvera um medo intenso de sair de casa.
“(…) eram a incorporação dos delírios febris da mente do seu criador. Desenhos tornados carne e osso, distorções da realidade.” Pág. 231
Monstros, monstros por todos os lados. Jack sabe que ninguém acredita nele, mas ele consegue ver os monstros que espreitam fora da sua casa e também os que se escondem debaixo da sua cama. Jack os vê por todos os lugares, tem pesadelos com eles. E desenha suas faces monstruosas o tempo todo e mesmo assim todos pensam que ele é louco. Querem mandá-lo embora. Os pais pensam que Jack não presta atenção, mas ele escuta e vê tudo. E não consegue esquecer.
Holly e Tim acreditam que o filho vive só no seu mundo anterior e não sabem que ele entende os seus receios. Os pais do garoto temem que Jack nunca mais saia de casa, que tenha uma vida solitária, limitada. Mas, quando é agredida pelo garoto, mesmo que ele não tenha batido nela de proposito, Holly passa a ter medo do próprio filho. Ela acha que está na hora de procurar ajuda, outras pessoas que possam manter Jack a salvo de si mesmo. Seu marido discorda, apesar de Tim não admitir, ele ainda acha que pode encontrar uma maneira de consertar o filho.
Mas Holly e Tim não são os únicos que estão ficando cansados e com medo de Jack. O melhor amigo do garoto, Nick, também está frustrado. Ele se cansou de brincar apenas dentro de casa e, pior ainda, cansou de desenhar monstros. Mas a nova mania de Jack não para. Conforme continua desenhando seus monstros, acontecimentos estranhos começam a rondar a família. Passos no telhado, vultos misteriosos, sons assustadores, janelas que se abrem sozinhas e quartos cobertos de sal. Pesadelos terríveis, mesmo quando não estão dormindo. Holly, Tim e Nick vão, rapidamente, sendo encurralados por acontecimentos bizarros e inexplicáveis. No centro disso, está Jack e seus desenhos. E está na hora deles começaram a se perguntar se os monstros que Jack não são reais.
A LEITURA: NARRATIVA E TRAMA
Eu fiquei bastante animada quando recebi um convite da editora para ler O Menino Que Desenhava Monstros. Já tinha visto a capa da obra por aí e como adoro obras que abordam transtornos/distúrbios psicológicos, fiquei ainda mais intrigada por esse livro, já que o nosso protagonista de apenas 10 anos tem síndrome de Asperger. E O Menino Que Desenhava Monstros superou as minhas expectativas.
Desde o começo, o livro traz uma tensão sombria e muito gostosa. Logo de início me incomodei um pouco com a narrativa em terceira pessoa do autor, que detalha demais as ações e pensamentos dos personagens. Contudo, mesmo a escrita de Donohue tornando a minha leitura um pouco mais lenta e densa do que eu esperava, a obra me cativou bastante. O Menino Que Desenhava Monstros constrói um bom suspense, que nos deixa inquietos e vidrados na história. A trama tem um ritmo lento quase que agoniante (o que é bom para uma obra do gênero), ao mesmo tempo em que traz muitos acontecimentos, todos bem bolados e alguns muito loucos e bizarros.
Apesar de que o que mais me surpreendeu em O Menino Que Desenhava Monstros foi o desfecho (que é de arregalar os olhos e tirar o fôlego), o autor construiu uma história que, ao mesmo tempo, lembra bastante muitas outras, mas que também é única. Senti o mesmo com os cenários. Uma casa isolada, em uma praia gelada, de uma cidadezinha qualquer, são cenários que já vimos milhares de vezes em livros e filmes de terror, mas que, mesmo assim, nos parecem novos e fascinantes em O Menino Que Desenhava Monstros.
OS PERSONAGENS
Os principais são Holly, Tim, Jack e Nick, aos quais me cativei bastante. Como a história em si, os personagens são um pouco clichês, mas conseguem nos surpreender. O que mais gostei é que o autor conseguiu conferir bastante humanidade a eles: conhecemos os pensamentos, emoções e comportamentos mais sombrios, ao mesmo tempo em que conhecemos seus lados bom, apaixonado e esperançoso.
Todos tem defeitos e qualidades em O Menino Que Desenhava Monstros. Holly tem medo do filho e faria de tudo para que seu menino fosse normal, contudo, ela também faria tudo para protegê-lo. Tim também queria um modo de “consertar” o filho, mas lhe dá seu carinho e paciência incondicionalmente e tenta levar a normalidade para a vida de Jack, sempre respeitando seus limites. Já Jack carrega o fardo de ser diferente, o que lhe faz ser impaciente e até mesmo maldoso com os outros, principalmente quando eles não o entendem. Contudo, Jack também ama seus pais e Nick, e quer protegê-los a qualquer custo dos monstros. Nick está cansado das obsessões e comportamentos estranhos do amigo, assim como não aguenta mais os pais beberrões, entretanto, ele está sempre por perto, aturando as brincadeiras de Jack e tentando entendê-lo, e as besteiras dos pais.
MAIS DO QUE TERROR: A MENSAGEM CRÍTICA DO LIVRO
Apesar de ser um suspense com boas pitadas de terror, O Menino Que Desenhava Monstros tem sua mensagem crítica. Se pensarmos no lado sobrenatural e inexplicável do livro como uma metáfora, a obra se transforma em uma grande lição sobre os diferentes modo de ser e de ver o mundo, assim como a nossa necessidade de aceitar as diferenças e de tentar entendê-las. O livro ilustra bem as dificuldades de pessoas com síndrome de Asperger e outras condições do espectro autista, mostrando como é complicado para as pessoas que as têm viver em um mundo que, para elas, é muitas vezes incompreensível e inacessível.
O medo de Jack do exterior e dos monstros nada mais é que o seu medo de um mundo que ele não entende. Jack, assim como pessoas com síndrome de Asperger e outras, pensam, constroem suas ideias, conceitos, memórias, emoções, de forma única, que raramente é entendida e aceita – o que O Menino Que Desenhava Monstros mostra claramente, já que ninguém acreditava em Jack e muitas vezes perdiam a paciência com o comportamento 'estranho' do garoto. E o livro também mostra que, do mesmo jeito que é assustador para pessoas como Jack viver no “nosso” mundo, seria assustador também, para nós, viver no mundo “deles”. E assim, uma ficção de suspense/terror consegue nos fazer refletir sobre como precisamos parar de ver o mundo como algo padronizado e que temos que parar de tentar encaixar todo mundo nesse padrão – pelo contrário, precisamos começar a diversificar e aceitar diferentes modos de ver, sentir e ser, e aprender que não existe normal e anormal, estranho e não estranho, e sim, apenas, diferenças.
A EDIÇÃO
Como todos os livros da DarkSide, a edição de O Menino Que Desenhava Monstrosé um luxo só! A tradução do está perfeita e adorei a diagramação, que combina com a história ao trazer rabiscos e desenhos tão macabros quanto os de Jack. Também curti bastante que, no final, há páginas em branco para desenharmos nossos próprios monstros e pesadelos. Eu amo a capa de O Menino Que Desenhava Monstros. Ela é mais minimalista, mas perfeita e traz detalhes em alto-relevo.
CONCLUSÕES FINAIS
Já adianto que O Menino Que Desenhava Monstros não dá medo. A obra é mais suspense do que terror, mas, mesmo assim, vale a pena. Nem mesmo a leitura um pouco densa e cansativa consegue tirar a tensão gostosa da obra, que traz uma história intrigante e sombria, mas também delicada e emocionante.
Essa é uma história de uma família que precisa se unir diante o inexplicável e de pessoas que precisam fazer as pazes umas com as outras e também consigo mesmas. O Menino Que Desenhava Monstrosé uma história sobre acontecimentos bizarros, o medo do desconhecido e laços desfeitos. Um mistério com pitadas de sobrenatural que ainda consegue trazer uma crítica positiva sobre a aceitação dos diferentes. Para quem curte o gênero, está recomendado.
QUOTES FAVORITOS
“'Bem-vindos à casa dos sonhos.' O garoto não sabia ao certo se era uma casa na qual os sonhos se tornavam realidade ou se a casa em si era feita de sonhos.” Pág. 11
“Era a sua força de vontade contra a noite.” Pág. 12
“'Sinto muito', disse Holly, “mas não acredito e fantasmas. Ou em yurei.'
'Não tenha tanta certeza sobre as coisas que não pode ver. A mente conjura o mistério, mas é o espírito que fornece a chave.'” Pág. 75
“Branco como um fantasma, branco como papel. Tem pensara que ele estava morto, se é que aquilo podia ter sido chamado de vivo.” Pág. 188
Título: O Menino que Desenhava Monstros
Título original: The Boy Who Drew Monsters
Autor: Keith Donohue
Editora: DarkSide Books
ISBN: 9788594540010
Ano: 2016
Páginas: 256
*Esse livro foi uma cortesia da Editora