“Vestidos de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.” Pág. 27
Não é a toa que o livro de Jorge Amado incomodou, quando lançado em 1937, e ainda incomoda muita gente. Sem pudor algum, talvez até com um pouco de deleite, o autor expõe o abandono, o preconceito, a miséria e a crueldade. Mas não a crueldade dos meninos (afinal, até onde eles podem ser culpados por suas ações?), mas a crueldade da sociedade, dos chamados homens civilizados e bons, que trabalham honestamente e vão à igreja, mas que deixam crianças à mercê das ruas.
Capitães de Areiaé uma obra extremamente atuale uma leitura que incomoda, afinal, é impossível não olhar para todos os personagens que rejeitaram, ignoraram e acusaram os Capitães de Areia e se perguntar: “quantas vezes eu olhei para o outro lado? Quantas vezes eu ignorei as crianças que pediam dinheiro? Quantas vezes fingi que as mazelas do mundo, que as pessoas que vivem na miséria, não são tanto minha responsabilidade quanto dos políticos?”.
Roubo e violência fazem parte do cotidiano dos Capitães de Areia, crianças abandonadas que encontraram uns nos outros uma família. Se por um lado Amado expõe a malandragem, a dissimulação e a agressividade dos meninos, crianças forçadas a crescer diante de tanta pobreza, por outro, também faz questão de nos mostrar como, em muitos momentos, eles trocariam até mesmo comida por um gesto de afeto, por alguns momentos com qualquer coisa que fosse parecido com ter um pai e uma mãe.
Se desprezamos aqueles que desprezam os Capitães de Areia, os nossos protagonistas rapidamente conquistam nosso afeto. É impossível não se cativar com crianças que passaram por tanta coisa ruim e, ainda sim, conseguem encontrar em si o sentimento de união e bondade. Os Capitães tratam uns aos outros como irmãos e cuidam de si.
Felizmente, também conhecemos algumas figuras (poucas, é verdade) que se apegam aos meninos e até tentam ajudá-los. O Padre José Pedro, principalmente, foi o que mais chamou minha atenção. Descrito como um homem de pouca inteligência e estudo, ele desobedeceu seus superiores e até leis e preceitos da Igreja para ajudar os Capitães de Areia. O padre, apesar de ter grande ambição por salvar a alma daqueles meninos, sabia que sem os roubos eles morreriam de fome e que todas as suas ações, por piores que fossem, era culpa daqueles que os abandonaram, que os ignoravam, e não dos meninos.
Pedro Bala, Volta Seca, Professor, Gato, Boa-Vida, Pirulito e Sem-Pernas são alguns dos Capitães que conhecemos com mais profundidade. Cheios de personalidades e inteligência, eles representam bem a heterogeneidade do grupo, que vai de brancos loiros a negros, de garotos com personalidades violentas até aqueles com talentos artísticos e pretensões religiosas. Cada um deles tem sua história particular e seus conflitos, que nos emocionam e nos revoltam. Como permitimos que crianças passem por situações tão horríveis e, ainda sim, se tornam pessoas muito mais bondosas e honestas que muitos de nós, que sempre tivemos casa e família?
Capitães de Areia não tem uma leitura fácil de engolir ou mesmo prazerosa, mas é uma obra necessária a todos os brasileiros. É preciso ver mesmo de perto toda a miséria, marginalidade e abandono nos quais muitos vivem até hoje. Um livro extremamente político, e um pouco filosófico, Capitães de Areiaé uma obra complexa, mas de mensagem clara.
Eu, que li o livro por obrigação, acabei me apaixonando pela obra e ficando curiosa para conhecer mais livros do autor. Para quem não tem medo de encarar um clássico (mas de linguagem fácil) que incomoda bastante, mas que abre sua mente, essa é uma excelente pedida.
Título: Capitães de Areia
Autor: Jorge Amado
Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 9788535914061
Ano: 2009
Páginas: 280
Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 9788535914061
Ano: 2009
Páginas: 280