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Resenha: Cartas de Amor aos Mortos - Ava Dellaira

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A HISTÓRIA

Laurel e sua família estão aos pedaços. Sua irmã, May, morreu tragicamente e, a única presenciar o fato, Laurel se recusa a falar sobre o acontecido. Por causa disso, sua mãe se mudou para a Califórnia, seu pai está sempre triste e a garota é obrigada a ficar, semana sim, semana não, com a tia super religiosa e protetora. Tudo o que Laurel queria é um recomeço e, para isso, resolveu fazer o ensino médio em outra escola, o que acabou não sendo fácil, já que ela não sabe como se aproximar dos colegas.
“Gostaria que você me dissesse onde está e por que foi embora. Você [Kurt Cobain] era o músico favorito da minha irmã, May. Desde que ela morreu, tem sido difícil ser eu mesma, porque não sei exatamente quem sou. Mas, agora que estou no ensino médio, preciso descobrir rápido. Ou então vou me dar muito mal.” Pág. 9
Mas, tudo muda com uma tarefa para a aula de literatura: escrever uma carta para alguém morto. Laurel não entrega a lição, mas não porque não a fez, mas porque acabou escrevendo uma carta pessoal demais para Kurt Cobain. Entretanto, a tarefa acabou sendo bastante terapêutica e Laurel passa a escrever cada vez mais cartas para as mais diversas personalidades: Janis Joplin, Amy Winehouse, Heath Ledger, Judy Garland, Elizabeth Bishop e mais. 


Nas cartas, Laurel narra não só sua rotina, mas o vazio dentro de si, a saudade da irmã, as incertezas sobre o futuro e o medo sobre o passado. Cansada de ser a garota triste e sozinha, um dia, ao usar as roupas da irmã, Laurel resolve tentar ser tão corajosa quanto May e as personalidades para as quais ela escreve. Aos poucos, as coisas começam a mudar: Laurel faz amizade Hanna e Nathalie e passa a sair sempre com elas e ir às festas. Ela também desperta o interesse de um garoto da sua turma, mas só tem olhos mesmo para Sky, um garoto misterioso, com pinta de bad boy, da sua escola.

E quanto mais tenta, mais Laurel consegue ser, ou, pelo menos, fingir ser, mais leve e extrovertida como a irmã. A garota se pergunta o tempo todo sobre os bastidores da vida de May e sobre como a irmã, na sua visão, perfeita, realmente se sentia. Laurel fica recordando, obsessivamente, sua história com May, dissecando cada momento, cada expressão, cada palavra. E quanto mais começa a ficar parecida com a May, mais Laurel é atormentada pela culpa e os segredos que carrega. Ela não sabe como realmente seguir em frente com a irmã, se May perdoaria Laurel por ser feliz enquanto ela está morta. Contudo, acima de tudo, Laurel precisa descobrir se será capaz de perdoar May e ser não sua sombra, sua imitação, mas sua própria pessoa.


A LEITURA E A MENSAGEM DO LIVRO

Eu fiquei curiosa para ler Cartas de Amor Aos Mortos depois de ler vários elogios a obra na época de seu lançamento, lá em 2014. Contudo, com tantos outros livros para ler, esse ficou esquecido, até que uma amiga que se apaixonou pela história insistiu para que eu a lesse também. E, assim, com baixas expectativas, já que esperava um livro triste e, particularmente, não gosto de livros tristes, comecei Cartas de Amor Aos Mortos e me apaixonei logo nas primeiras páginas.

A escrita em primeira pessoa da autora é simplesmente maravilhosa. Leve e fluída, mas muito poética, a narração epistolar em primeira pessoa (através de cartas) consegue nos fazer mergulhar dentro da cabeça da protagonista e seu modo único de ver e sentir. Desde os primeiros parágrafos percebemos que o livro tem um ar melancólico e saudoso, mas o engraçado é que, mesmo causando algumas lágrimas, a obra não chega a ser realmente triste. Eu me cativei muito com a história e a dor da Laurel, tanto que chorei com Cartas de Amor Aos Mortos como não chorava com nenhum livro há tempos, mas mesmo assim fiquei, em grande parte do livro, um sorriso no rosto e em nenhum momento me senti mal, para baixo, por causa da leitura.
“Todos nós queremos ser alguém, mas temos medo de descobrir que não somos tão bons quanto todo mundo imagina que somos.” Pág. 148-9
A trama de Cartas de Amor Aos Mortos é inteligente e cativante. Ao mesmo tempo em que acompanhamos a vida da Laurel na nova escola, somos levados para suas memórias ao lado da irmã e também para a história de cada uma das pessoas sobre para as quais ela escreve. Foi incrível conhecer, através do livro, um pouco mais da história e carreira do Kurt Cobain, Janis Joplin, Amy Winehouse, Judy Garland e outros. A história de Cartas de Amor Aos Mortosé surpreendente, emocionante e um pouco mágica até– impressão que temos graças a narrativa pela visão de Laurel, que vê o mundo de forma única.


Mesmo tendo vários momentos inusitados, o livro têm lá seus clichês, mas eles não incomodam em momento algum. Afinal, mais do que a história de uma garota fazendo novas amizades e indo a festas, Cartas de Amor Aos Mortosé uma obra sobre luto, perdão, autodescoberta, as indecisões e dúvidas típicas da adolescência, e também sobre abuso. Os temas são pesados e gostei que a autora não tenha tentado aliviá-los ou disfarçá-los. É quase dolorido, em certos momentos do livro, ver a protagonista tentando seguir em frente, mas afogando-se em sentimentos e paralisando-se diante do medo. Entretanto, é muito satisfatório vê-la vencer as barreiras pouco a pouco, provando para os leitores que é sim possível vencer toda e qualquer dificuldade.
“A verdade é que não perdoei minha irmã. Não sei como perdoá-la, porque nem tenho o direito de ficar brava com ela. E tenho medo de perdê- la para sempre se fizer isso.” Pág. 216
OS PERSONAGENS

A protagonista é o ponto mais forte desse livro. Muito humana, a Laurel soa como se fosse uma pessoa real. Ela é fragilizada, cheia de dúvidas e medo. Mas é também uma guerreira, e vai descobrindo sozinha como aceitar e superar tudo o que aconteceu com ela. Em vários momentos me incomodei com as atitudes da personagem e sua mania de simplesmente ficar calada diante das coisas e esconder tudo dentro de si. Mas, isso era parte da trajetória da Laurel, o que torna ainda mais emocionante vê-la aprender a partir dos erros que cometeu. Eu me identifiquei bastante com a protagonista, ainda mais com sua relação com as palavras. A Laurel descobre, através da escrita, um modo de liberar tudo aquilo que está dentro dela, de entender as coisas do mundo, de forma honesta, singela e bastante lírica. 

Os outros personagens também nos cativam, apesar de não ganhar tanto destaque quanto a Laurel (algo necessário dentro do livro). Eu amei a Hanna e Nathalie, especialmente o modo como a autora consegue as criar de modo que soam, ao mesmo tempo, como duas garotas comuns, mas também como duas garotas únicas e inesquecíveis. Eu gostei que, como a Laurel, elas têm sua própria trajetória de aceitação e perdão dentro da obra. Um personagem que amei no início, mas que depois acabei desgostando foi o Sky. Ele é o típico garoto misterioso, com pegada de bad boy, mas jeitinho fofo e inteligente. A autora consegue criar conflitos próprios para o Sky, mas, ainda assim, ele soa irreal, preso em um pedestal de perfeição disfarçada com imperfeição.


Skyé idealizado e se, no início, torci por seu envolvimento com a Laurel, depois acabei torcendo para que ele não terminasse o livro com ela. O personagem é difícil de engolir e suas atitudes me irritaram. Ele se incomoda, por exemplo, com a dependência que a Laurel cria dele, mas não faz nada sobre isso. O relacionamento dos dois não é saudável. Laurel usa Sky como muleta emocional, transforma ele no ideal de pessoa perfeita a seguir, espaço ocupado antes pela sua irmã. Nesse ponto, infelizmente, a protagonista não amadurece. Em vez de tentar ser sua própria pessoa por inteiro, ela sempre quer ser um pouco como outro alguém, mas não de maneira saudável. Mas, a protagonista cresce em muitos outros sentidos, felizmente.

A EDIÇÃO

A edição da obra está excelente. A tradução está boa e o texto sem erros. Adorei o detalhe que divide as cartas. Também amo a capa de Cartas de Amor Aos Mortos. Os tons de roxo, rosa e azul usados são maravilhosos e capa é absolutamente linda, singela e melancólica como o livro. 


CONCLUSÕES FINAIS

Essa é uma daquelas leituras que te cativa nas primeiras palavras e fica com você muito depois do livro ter acabado. Cartas de Amor Aos Mortosé uma história melancólica, mas belíssima de uma garota em busca de si mesma depois da morte da irmã. O livro aborda as muitas dúvidas e incertezas do universo adolescente, mas também questões que marcam todas as idades como luto, perdão, aceitação, superação, abuso e mais. Um livro que vai te fazer chorar, mas que não é triste, Cartas de Amor Aos Mortos nos provoca uma montanha-russa de emoções, que vão desde risadas gostosas, até inquietação, raiva e lágrimas. O livro é emocionante, brutalmente honesto e bastante lírico– me lembrou bastante As Vantagens de Ser Invisível e Um Apanhador no Campo de Centeio. Eu amei a obra e fiquei louca por mais da autora. Recomendo Cartas de Amor Aos Mortos a absolutamente todos.

QUOTES FAVORITOS

Às vezes suas músicas dão a impressão de que existia muita coisa dentro de você [Kurt Cobain]. Talvez você nem tenha conseguido colocar tudo para fora. Talvez tenha sido por isso que morreu. Como se tivesse implodido. Acho que não estou fazendo a tarefa direito. Talvez eu tente de novo mais tarde.” Pág. 11

Foi quando ele me viu. Estava virando para falar com alguém. E então tudo ficou em câmera lenta. Nossos olhares se encontraram por um instante, antes que o meu se desviasse. Parecia que vaga-lumes brilhavam sob minha pele. E, quando olhei de novo, Sky ainda estava me encarando. Os olhos dele eram como a sua voz, Kurt — uma chave que abria algo em mim.” Pág. 14

Eu gostaria que você [Judy Garland] pudesse me dizer onde está agora. Sei que está morta, mas acho que tem alguma coisa da gente que não desaparece simplesmente. Está escuro lá fora. E você está lá. Em algum lugar. Eu te deixaria entrar aqui.” Pág. 16

Para começo de conversa, não conheço ninguém que tenha uma família perfeita. E acho que é por isso que formamos uma nova família. Os esquisitos se juntam. Sinto isso em relação a todos os meus amigos.” Pág. 147

Sei que escrevi cartas para pessoas sem endereço neste mundo. Sei que vocês estão mortos. Mas posso ouvir vocês. Ouço todos vocês. Nós estivemos aqui. Nossa vida teve valor.” Pág. 324

Título: Cartas de Amor aos Mortos
Título original: Love Letters to the Dead 
Autora: Ava Dellaira
Editora: Seguinte
ISBN: 9788565765411
Ano: 2014
Páginas: 344
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